Alerta de um advogado: “País vive hoje em um estado de exceção, sob o manto de um aparente estado democrático e de direito.”
Por: J. Nito
O advogado, Rafael Valim, professor de Direito
Administrativo da PUC de São Paulo, esteve no auditório da Escola de Contas do
TCMSP, no último dia 28 de julho. Valim foi o quinto entrevistado da serie “Encontros”,
mediada pelo sociólogo Jessé Souza e o jornalista Florestan Fernandes Jr.. O
advogado falou sobre seu último livro "Estado de exceção: a forma jurídica
do neoliberalismo".
Apresentação
O jornalista Florestan Fernandes fez uma breve apresentação
do entrevistado: “Mestre e Doutor em direito administrativo, Valim é um dos críticos
das medidas emergenciais que comprometem os direitos fundamentais dos cidadãos,
não só aqui no Brasil, mas também na America Latina e nos Estados Unidos. Em
relação ao Brasil ele afirma que o país vive hoje em um estado de exceção, sob
o manto de um aparente estado democrático e de direito. Contrario ao processo
que levou o vice-presidente, Michel Temer, a presidência da republica, Rafael
Valim também é uma das vozes que defendem, no caso do afastamento de Temer, a
eleição direta de um presidente tampão até 2018”.
A nova ditadura brasileira
Sobre a atual situação econômica, política e jurídica em que
o país atravessa nos últimos anos, Valim afirma que "a exceção começou a
tomar conta da sociedade e chamar a atenção". O advogado completa dizendo
que "o verdadeiro soberano, que decide aquilo que será excepcional ou não,
é o mercado [...] O exemplo brasileiro é o exemplo mais acabado da exceção. Com
a derrubada da presidenta Dilma, que ai é uma entre tantas medidas de exceção
que a gente assiste, assume o poder um grupo... qual é a primeira medida deles?
Medidas francamente antissociais [...] reforma trabalhista, previdenciária
[...] qualquer pesquisa de opinião você vê que as pessoas não estão concordando
com isso [...] todas essas medidas, que foram tomadas já desde o primeiro dia
em que assumiu o novo governo, deixam claro, no caso brasileiro, quem é o
soberano. segundo Valim, as atuais medidas tomadas pelo governo estão a serviço
do mercado.
Pergunta da plateia
Pergunto ao advogado se este estado de exceção explicita em que
o Brasil vive, comandado pelo absolutismo do Supremo, não poderia nos levar a
uma guerra civil?
Resposta de Valim: “Acho que nem pra isso a gente serve...
Na medida em que passa uma reforma trabalhista, como passou, e ta tudo
caminhando... e nada aconteceu... eu não acredito mais em revolta popular,
lamentavelmente. Eu acho que há movimentos importantes de contestação [...] o
brasileiro é uma sociedade eminentemente autoritária [...] isso justifica um
pouco a dificuldade de assimilar e compreender o estado de exceção”. Afirma.
Assista na integra a entrevista com o advogado Rafael Valim
ANEXO
Valim, Rafael “Estado de exceção: a forma jurídica do
neoliberalismo”- São Paulo – editora:Contracorrente, 2017.
Sobre o Golpe de 16 no Brasil
*“ O golpe existe e produz efeitos, mas sua legitimidade e
aprovação popular é decrescente. Um golpe levado a cabo precisamente por uma
“casta jurídica”, apartada do país real, que reina absoluta no poder judiciário
brasileiro. Um poder judiciário que, juntamente com a grande mídia, são os
operadores reais do “golpe institucional” que se implantou no Brasil em maio de
2016”. (Prefácio, por Sociólogo Jesse Souza. Pag. 9).
*“ O projeto de democracia no Brasil, a exemplo dos demais
países latino-americanos, é constantemente interrompido por golpes de Estado.
Após mais de vinte anos de ditadura militar (1964 a 1985), as brasileiras e os
brasileiros viveram mais um curto período de governo eleito por vias
democráticas, cujo término se deu em 31 de agosto de 2016, data em que se
afastou definitivamente do cargo a Presidenta eleita Dilma Rousseff [...] Desta
vez a democracia não foi abatida por um golpe militar, com tanques e fuzis, mas
sim pelo que vem sendo chamado de um “golpe institucional”, gestado e levado a
efeito sob uma aparência de legalidade. Instaurou-se um processo, ouviram-se as
partes e as testemunhas, elaboraram-se relatórios, mas tudo não passava de uma
grande farsa, um simulacro de devido processo legal encenado por parlamentares
toscos e venais, sob o impulso decisivo da mídia nativa”. (Pag.39-40-41).
*“Os motivos invocados para a deflagração do processo de
impedimento foram as chamadas “pedaladas fiscais” – apelido atribuído à
sistemática mora do Tesouro Nacional nos repasses de recursos ao Banco do
Brasil e à Caixa Econômica Federal para que estes paguem benefícios sociais
como o “Bolsa Família” e “Minha Casa, Minha Vida” – e a abertura de créditos
suplementares sem autorização legal. Ambas as condutas, a teor do que dispõe a
legislação brasileira, jamais poderiam ser consideradas crime de responsabilidade
e, portanto, seriam de todos imprestáveis a justificar o impeachment do Chefe
do Poder Executivo Federal [...]Finalmente, em 31 de agosto de 2016, após
outras tantas inconstitucionalidades e demonstrações de misoginia, consumou-se
a destituição da Presidenta Dilma Rousseff. A partir daí, o governo ilegítimo,
em aliança com o parlamento, inicia uma avassaladora estratégia de desfiguração
do modelo de Estado Social de Direito consagrado na Constituição de 1988,
diante de um povo domesticado pelos grandes veículos de comunicação social,
cujas verbas publicitárias cresceram exponencialmente desde a chegada dos
golpistas ao poder”. (pag. 47-48-49).
*“Em suma, o ataque do capital financeiro global é muito
mais virulento aqui que nos países de democracia mais sólida. Isso tudo gerido por operadores
jurídicos, entre confusos ou mal-intencionados pela farsa da “corrupção
seletiva”, que passam a operar, objetivamente, como advogados do capitalismo
financeiro internacional. Quer se tenha ou não consciência prática disso, o
resultado objetivo – que é o que importa na vida – é que nosso Poder Judiciário,
pago por todos nós, funciona como advogado de interesses que espoliam a nação e
roubam seu futuro”. (Prefácio, por Sociólogo Jesse Souza. Pag. 11-12).
* “O Brasil esta à deriva. A generalizada deslealdade à
Constituição. desde o Supremo Tribunal Federal até o mais subalterno dos
agentes públicos, abre caminha para o autoritarismo e interrompe, mais uma vez,
o processo de construção de uma sociedade verdadeiramente democrática”.
(Apresentação Rafael Valim. Pag.13-14).
Capitulo 2: Estado de Exceção: signo do fracasso do ATUAL
modelo democrático
*“Significa dizer que a exceção abala, induvidosamente, um
dos pilares do Estado Democrático de Direito, qual seja, a soberania popular.
Subverte-se a concepção de que toda e qualquer autoridade – administrativa,
legislativa ou judiciária – é mera mandatária do povo e, por essa razão, deve
atuar nos limites da Constituição e das leis, abrindo-se um perigoso espaço
para o voluntarismo, o que constitui, aliás, o sentido genealógico do estado de
exceção”. (Pag. 26)
* “[...] a exceção, ao negar a lei, principal produto da
soberania popular, toma de assalto a democracia. A pretensão de um governo
impessoal das leis cede lugar ao governo pessoal dos homens. O povo é
destronado em favor do soberano, o que explica a afirmação de Giorgio Agambem
de que a exceção é o absolutismo da contemporaneidade”. (Pag. 27).
* “Luigi Ferrajoli assinala, corretamente, que nas últimas
décadas se produziu uma silenciosa revolução institucional. Em suas palavras,
“não temos mais o governo público e político da economia, mas o governo privado
e econômico da política”. Não são mais os governos democraticamente eleitos que
gerem a vida econômica e social, em vista de interesses públicos, senão que as
potências ocultas e politicamente irresponsáveis do capital financeiro”.
(Pag.29).
* “Segundo estudo lançado pela Oxfam em 16 de janeiro de
2017, prévio ao Fórum Econômico Mundial, o patrimônio de apenas oito homens é
igual ao da metade mais pobre do mundo e 1% da humanidade controla uma riqueza
equivalente à dos demais 99%. Esta é a democracia de que estamos a tratar”. (Pag.
30-31).
*“ A esta altura já é possível entrever quem é o verdadeiro
soberano. Quem decide sobre a exceção atualmente é o chamado “mercado”, em nome
de uma elite invisível e ilocalizável; é dizer, o soberano na contemporaneidade
é o mercado”. (Pag. 33).
Capitulo 3: O caso brasileiro: exemplo paradigmático de estado
de exceção
*“ Além da evidente ilegalidade das prisões cautelares,
fundadas, no mais das vezes, em conceitos indeterminados como “defesa da ordem
pública”, pouco antes da instauração do processo de impeachment chegou-se ao
cúmulo de uma conversa da Presidenta da República ser interceptada por um juiz
de primeira instância – manifestamente incompetente no caso – e, este mesmo
juiz, não satisfeito com a gravíssima ilegalidade que acabara de cometer,
ordenar a divulgação do diálogo, em claríssima violação do art. 8º da Lei nº
9.296/96, cujos termos seja-nos permitido transcrever: “a interceptação de
comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados,
apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal,
preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas”.
Para agravar este quadro tétrico, o Supremo Tribunal Federal reconheceu
posteriormente a ilegalidade da conduta do aludido magistrado – ou seja, restou
configurado o cometimento de crime, à luz do art. 10 da mencionada Lei nº
9.296/96 –, mas nenhuma providência de ordem criminal ou disciplinar foi tomada
contra ele até o presente momento”. (Pag. 42-43).
Capitulo 4: Há alguma alternativa no horizonte?
* “[...]O povo, justificadamente, sempre desconfiou das
leis, vendo nelas um instrumento de dominação habilmente manejado pelas elites,
por isso se trata de criar e não recuperar a confiança no Direito. É preciso
levar o Direito a sério, o que significa libertá-lo dos grilhões da exceção e
devolvê-lo ao povo, único titular da soberania”. (Pag. 55-56).
Sobre Rafael Valim
Rafael Valim é Doutor e Mestre em Direito Administrativo
pela Pontifica Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP e professor de Direito Administrativo e
Fundamentos de Direito Publico .
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